Acredito não ser
possível falar de José Bernardo da Silva sem marcar a figura de Padre Cícero
Romão Batista e sua unanimidade na cidade de Juazeiro do Norte (CE) e, em todo
o Nordeste. Ir aos festejos do dia do romeiro em Juazeiro foi para mim algo
absolutamente estarrecedor... Fui por curiosidade, mas não pude deixar de me
impressionar com a força do mito que permanece vivo na memória popular, há mais
de 100 anos, a figura do Padre Cícero Romão Batista (1844-1934).
A pesquisadora Rosilene
Alves de Melo narra, em sua tese vencedora do 1º Prêmio no Concurso Sílvio
Romero, 2003, intitulada Memórias impressas: trajetória da literatura de
folhetos em Juazeiro do Norte, publicada em livro intitulado Arcanos do
verso: trajetória da literatura de cordel, 2010, relata o nascimento e a
prosperidade da Tipografia São Francisco, evidenciando a saga de um homem que,
de vendedor ambulante conquistou o patamar de um dos maiores editores de
folhetos de cordel no Nordeste brasileiro. Juazeiro do Norte permanece como um
mito vivo até nossos dias, guiada pela imponente figura do pequenino homem,
Cícero Romão Batista. As histórias que rondam a memória popular são fielmente
descritas pelos poetas populares, artistas responsáveis, em grande parte, pela
áurea que envolveu os grandes acontecimentos da cidade. Poetas que emprestam
seu talento na permanência do conhecimento oral: o mistério do milagre da
hóstia – o encontro do Padre Cícero com o sangue de Jesus, pela boca da beata
Maria de Araújo; a passagem de Lampião, Virgulino Ferreira da Silva e seu bando
de cangaceiros pela região (1926). Foram estes os assuntos mais “cantados” e
publicados naquela ocasião.
Ao assumir a cadeira de José
Bernardo da Silva – nascido em Palmeira dos Índios (AL), em 02 de
novembro de 1901, patrono da Cadeira nº 18, da Academia Brasileira de
Literatura de Cordel - ABLC, poeta popular e um dos maiores editores de
folhetos de cordel do Nordeste, cujo centenário de seu nascimento foi celebrado
em 2001, o fiz com alguns receios, pela força de seu nome. Entretanto, me vali
de citação do saudoso acadêmico Francisco Silva Nobre, que na página 81, vol.
5, da Antologia Brasileira de Literatura de Cordel, 1998, afirma: “A
ABLC tem como finalidade reunir não apenas aqueles que se dedicam à literatura
de cordel propriamente dita, mas também outras pessoas que, não a cultivando
diretamente, a admiram e se dedicam ao seu estudo e divulgação”.
Zé, ou Zé Bernardo
viveu no município de Vitória (PE), antes de radicar-se em Juazeiro do Norte,
em 1926, atraído pela figura de Padre Cícero Romão Batista. Chega ao Juazeiro,
como vendedor ambulante, que fazia o percurso das feiras nordestinas, inclui
entre os produtos comercializados alguns folhetos de cordel. A iniciativa tem
grande receptividade. Decide, então, tornar-se impressor. Adquire uma máquina
de pedal e inicia os trabalhos de tipógrafo. Posteriormente, instala a
Tipografia São Francisco. Ressaltamos, aqui, versos em que José Bernardo nos
fala de seu ofício de tipógrafo, mas já, evidenciando-se como poeta de cordel:
"Não sou poeta vos digo,
Mas com rimas arranjo o pão.
Sou chapista e impressor,
Sou bom na composição.
O meu saber se irradia,
Conheço com perfeição
Agradeço esta opulência
À Divina Providência
E ao Padre Cícero
Romão”
No folheto História da literatura de
cordel, Rouxinol do Rinaré [José Antônio dos Santos], assinala o papel de
Athayde como editor proprietário, quando da compra do acervo de Leandro,
adquirido em 1921:
“João Martins de Athayde
Quando Leandro morreu
De sua esposa comprou
Parte do acervo seu
Dos direitos autorais
Fez o que bem entendeu”
José Bernardo torna-se um dos maiores editores de folhetos de cordel,
especialmente, após ter adquirido milhares de títulos de propriedade de João
Martins de Athayde, em 1949. A Tipografia São Francisco torna Juazeiro do Norte
um dos maiores polos editoriais de folhetos de cordel. O trio Leandro Gomes de
Barros, João Martins de Athayde e José Bernardo da Silva consolidaram o tripé
que norteou a criação, produção, distribuição e venda da literatura de folhetos
no Nordeste. Suas identidades acabaram por misturar-se, deixando para os
pesquisadores, dessa literatura, o estudo sobre a originalidade de cada autor;
e, para os documentalistas, o cuidado de não inferir critério de avaliação
autoral, restringindo-se às notas tipográficas evidenciadas no corpo da
publicação. De todas as formas, o trabalho destes três homens foi de grande
contribuição social, econômica e cultural para a região do Cariri. Cabe aqui,
lembrar que toda essa movimentação editorial, que durou décadas, foi definitiva
na geração de renda para várias famílias em toda a região e para além dela. Foi
com a grande produção de folhetos que empregos foram gerados: auxiliares de
tipografia (na composição gráfica); artesãos (na confecção de capas);
cantadores e distribuidores de revenda (na comercialização em feiras, mercados
e praças públicas). Os cantadores tiveram papel relevante, por emprestarem seu
talento na arte de cantar, extraindo dos versos os segredos que incitavam à
compra.
Franklin Maxado
Nordestino, em O cordel do cordel, 1982, informa sobre os primeiros
editores e suas preferências por temas de caráter noticioso e pelos romances:
“(...)
Seus poetas são também
Editores e vendedores.
Saem lendo e cantando,
Procurando os leitores
Que gostam das novidades
E versos de mil amores.”
O poeta João José da Silva, fundador da
Luzeiro do Norte, Recife (PE), também iniciou-se como revendedor/distribuidor,
como nos informa o poeta Delarme Monteiro no folheto Nordeste, cordel,
repente e canção, [19--]:
“(...)
Certo dia em meu balcão
Surgiu um tal João José
Numa roupinha “sambada”
Tamanco velho no pé
Perguntou pro meu irmão
O seu Delarme, quem é ?
Então eu me aproximei
A ele fui atender
João José me perguntou
- O senhor pode dizer
- Se aqui vende folheto
Para a gente revender”
Outros poetas foram também editores,
xilógrafos e vendedores, como Minelvino Francisco Silva (1926-1999), conforme a
citação abaixo:
“Fascinado pela arte da composição e da impressão
tipográfica, adquiriu uma impressora manual onde confeccionava seus folhetos,
inclusive as capas”, conforme mostra nos versos:
(...)
Eu mesmo escrevo a estória
eu mesmo faço o clichê
eu mesmo faço a impressão
Eu mesmo vou vender
e canto na praça pública
para todo mundo ver.”
Seu
interesse o fez mudar para uma impressora elétrica, mas em 1979 sofreu um
acidente, perdendo três dedos. Este fato não o impediu de continuar no ofício,
pelo contrário, sua técnica foi aperfeiçoada, referindo-se ao episódio nos
versos:
“No dia dez de outubro
Compus uma oração
Botei na máquina impressora
Para fazer a impressão
Em vez de imprimir o papel
Errei e imprimi a mão”.
Publicou
em várias tipografias e editoras como a Tipografia São Francisco, em Juazeiro
do Norte (CE), a Prelúdio e a Luzeiro em São Paulo (SP).
José
Bernardo da Silva faleceu em 23 de outubro de 1972. A Tipografia São Francisco encerrou
suas atividades em 1982, quando seu acervo e todo o equipamento foram vendidos
para o Governo do Estado do Ceará.
Quando
compus o folheto sobre os grandes autores, editores, distribuidores e
folheteiros, o fiz com a intenção de prestar homenagem a estes nomes que
enriqueceram a literatura de cordel, com versos e muitas iniciativas que
criaram uma verdadeira rede de produção, edição, e venda.
Pinto, Maria Rosário. O poeta e o folheteiro: da
edição à venda. Campina Grande, PB: Cordelaria Poeta Manoel Monteiro, 2012.
12 p. 26 estrofes : setilhas : 7 silabas.
Capa: desenho (Dalinha Catunda)
Silva, Minelvino Francisco. Minelvino Francisco Silva. São Paulo: Hedra, 2000. 234 p. :il.
(Biblioteca de cordel).
Silva, Minelvino Francisco. Peleja do filho do Cego Aderaldo com o filho
de Zé Pretinho. São Paulo:
Luzeiro Editora, 1957. 32 p.
Melo, Rosilene Alves de. Memórias impresas: trajetória da literatura de
folhetos em Juazeiro do Norte.
Rio de Janeiro, 2003. 209 f. Bibliografia: f. 190-209; 1º
Prêmio no Concurso Sílvio Romero, 2003
Literatura popular em verso: estudos. São Paulo; Belo Horizonte: Ed. da
Universidade de São Paulo; Itatiaia, 1986. 468 p. il. (Reconquista do Brasil.
Nova Série, v. 94).
Batista, Sebastião Nunes.
Antologia da literatura de cordel. Natal:
Fundação José Augusto, 1977. xxvi, 395 p. il.
Franklin Maxado Nordestino [Franklin de Cerqueira Machado]. O cordel do cordel. São Paulo : [s.n.], 1982. 8 p.
Silva, Delarme Monteiro da. Nordeste, cordel, repente, canção. Bezerros: [s.n., 19--]. 16 p.
Maria Rosário Pinto
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