Sorriso largo...

terça-feira, 26 de junho de 2018

AS HERDEIRAS DE MARIA


Um belo resgate da história da produção da mulher na literatura de cordel. Maria das Neves Batista foi esta pioneira de que Dalinha Catunda fala com carinho e poesia da melhor qualidade. Ela merece todas as homenagens. Culta, bem informada e dona de uma rica poesia. Seu folheto O viulino do diabo ou o valor da honestidade é irretocável. Altino Alagoano,alcunha de Das Neves, em seu romance, deixa pistas de sua verdadeira identidade quando cria sua personagem Maria travestida de Mariano para ser aceita como artista pela sociedade em que vivia e, até nisso ela foi competente. Pioneira, abriu caminho para as mulheres da atualidade, por isto, somos mesmo Herdeiras de Maria.  AS HERDEIRAS DE MARIA
1
Começa assim a história
Do folheto feminino:
A mulher com sua manha,
Território o nordestino,
Com patriarcado vil,
Montou-se então um ardil,
Pra traçar nosso destino.
2
Lá pra mil e novecentos,
E trinta e oito asseguro,
Foi que a mulher editou,
E plantou para o futuro,
O folheto feminino,
Com o nome masculino,
Que hoje aqui emolduro.
3
Quando a mulher resolveu
Escrever o seu cordel,
Ainda meio acanhada...
Não quis botar no papel,
Seu santo nome de pia,
Porém foi uma Maria,
A primeira do painel.
4
Era Altino Alagoano
Que assinava a autoria.
A do primeiro folheto,
Que a mulher se atrevia
A escrever sem assinar
Para o marido alcunhar
Com nome de Fantasia.
5
E foi Maria das Neves,
A Batista Pimentel!
Que teve o afoitamento,
De publicar um cordel,
E mesmo não assumindo
O que estava produzindo
Na lavra do seu vergel.
6
Era Francisco das Chagas,
De sobre nome Batista,
Pai de Maria das Neves,
A primeira cordelista.
Ele foi um pioneiro,
Do folheto brasileiro,
Na arte especialista.
7
“O Violino do Diabo.
Ou o Preço da Honestidade”,
Foi o primeiro folheto,
Tornou-se até raridade,
Pela mulher concebido,
Como troféu exibido,
Prova viva da verdade.
8
Os folhetos que Das Neves,
Naquele tempo editava.
“Corcunda de Notre Dame”
Na sua lista constava,
E outros títulos mais,
Em obras universais,
Ela se fundamentava.
9
“O Amor Nunca Morre” é,
Também sua criação,
Mais um cordel que Maria,
Acresceu a coleção.
Sua rica trajetória
É um marco na história
Nobre contribuição.
10
Maria chega ao cordel,
E com personalidade.
Letrada, bem preparada,
Replena de habilidade.
Disfarçada ocupa espaço,
Dando seu primeiro passo,
Rumo à nova atividade.
11
E a ascensão do cordel,
Das Neves acompanhou.
A Popular Editora,
Foi o seu pai quem criou,
Instalada em João Pessoa,
Aquela ideia tão boa,
Maria testemunhou.
12
Para falar a verdade,
Testemunhou muito mais...
Só o homem editava!
Das mulheres, nem sinais.
Pode parecer incrível,
A mulher era invisível,
Continham seus ideais.
13
Só depois de muito tempo
A mulher entra em ação.
Tira o verso da gaveta
Mostra a sua produção.
Assumindo o seu lugar,
Na cultura popular,
Cumprindo sua missão.
14
Isso só aconteceu,
Entre sessenta e setenta,
A mulher com liberdade,
Depressa se reinventa.
Ela muda de postura,
Garante a assinatura,
No cordel que apresenta.
15
Chega de só propagar,
Saberes e tradição.
Chega de contar histórias,
Fazer adivinhação.
Com tanto conhecimento,
Afinal chega o momento,
De mudar de posição.
16
Já cansada de engolir,
O que tinha na garganta,
Cansada de ser a musa,
Às vezes puta ou santa,
Cansada de ser podada,
Encara nova jornada,
Assume seu verso e canta.
17
Uma luz no fim do túnel,
A mulher chega avistar.
Mas a estrada a seguir,
Ela tem que desbravar.
Porque é pura ilusão,
Sua ampla aceitação,
Não vamos nos enganar.
18
No mundo cordeliano,
Inda mora o preconceito.
Na produção feminina,
Muita gente põe defeito,
E perde a oportunidade,
De conhecer na verdade,
Cordéis com outro Conceito.
19
Do jeito que tem mulher
Escrevendo sem cuidado,
Tem homem que faz cordel
Sem entender do riscado,
Não venham com zombaria,
O dom da sabedoria,
Floresceu assexuado.
20
O mercado é escasso
Para a mulher cordelista.
Com o corporativismo
Nós somos poucas na lista.
Nos bancos de academia
Inda somos minoria,
Mas nos postamos na pista.
21
Corre o cordel feminino
Sem nenhuma timidez.
A mulher fortalecida,
Não espera, faz a vez.
Sabe que é competente,
Se a lacuna é existente
Preenche com vividez.
22
Aborda qualquer temática
Verseja com qualidade.
Se for para glosar, glosa!
Com muita propriedade.
Faz peleja virtual,
O seu mote é atual,
Essa é a realidade.
23
A cordelista zelosa
Que cumprem sua missão,
Sabe que o bom cordel
Em sua composição,
Boa rima deve ter,
A métrica é pra valer,
Ao compor sua oração.
24
Somos muitas escrevendo
Algumas com maestria.
Nosso cordel feminino,
É canto que contagia.
Abram alas pras guerreiras,
Somos poetas herdeiras,
As herdeiras de Maria!
*
Autora: Dalinha Catunda

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