Sorriso largo...

quarta-feira, 4 de julho de 2012

DEZ ANOS SEM PATATIVA - Zé Walter Pires

Minha mãe Lúcia e minha irmã Ilná
As rugas no rosto do já idoso Mestre Patativa do Assaré são como os sulcos da terra nos períodos de secas...
Tempos atrás, reli o poema Mãe preta – oração de um filho a sua mãe prêta (aquela que nos cuidou com todo carinho e nos enebriou com sua histórias de princesas, rainhas, assombrações e de bichos mansos e também aqueles mais ariscos que, cuidadosamente, nos recomendava atenção.
Patativa do Assaré nos comove com sua poesia tão singela e ao mesmo tempo forte e de tamanha abrangência – perpassa toda a trajetória da nossa vida – retrata os Ritos de Passagem em todos os seus aspectos: nascimento, meninice, adolescência, juventude, fase adulta e finalmente, a morte. E todos estes ritos são acompanhados dos ensinamentos que vamos recebendo em cada fase da vida e, preservando: o seio materno, as canções de ninar, as brincadeiras, os prazeres, as dores, o distanciamento e finalmente a separação...
Cada um de nós teve suas mães pretas... àquelas que nos encorajavam a enfrentar os medos e as dores. Na ocasião em que reli o poema fiquei completamente comovida e, por este motivo decidi publicá-lo. aqui, no mês de mães e marias... Somos todas marias, marias, marias, mães, mães, mulheres, mulheres – as detentoras da sabedoria oral, aquelas que não precisam de assinaturas nem carimbos. Afinal, foram elas que ensinaram nosso poeta, Patativa do Assaré, a compor, rezar e cantar...
O poema dedicado a mãe preta nos envolve a todos; e, a morte – este último ritual porque passamos e que, tal e qual o nascimento é totalmente individual e solitário. É também emocionante como Patativa elabora a relação homem x natureza. A primeira e a última estrofes centralizam, anunciam, sintetizam e enceram a narrativa do poema: coisa de MESTRE, Patativa do Assaré.
*
O coração do inocente,
É como a terra estrumada,
Qui a gente pranta a simente
E a mesma nace corada,
Lutrida e munto viçosa.
Na nossa infança ditosa,
Quando o amô e a simpatia
Toma conta da criança,
Esta sodosa lembrança
Vai batê na cova fria.
*
Mamãe com todo carinho,
Chorando um bêjo me deu
E me disse - meu fiinho,
Sua Mãe Preta morreu!
E ôtras coisa me dizendo,
Sinti meu corpo tremendo,
Me jurguei um pobre réu,
Sem consolo e sem prazê,
Com vontade de morrê,
Pra vê Mãe Preta no céu.
*

*
Foi-se embora Patativa
Mas a lira ficou viva
Para não morrer jamais
Nem sonhos, nem ideais
Porque não morre o poeta
Que no céu foi fazer festa
E viver entre imortais
Patativa do Assaré
Sertanejo cuja fé
Ensinou a viver mais

Patativa foi-se embora
E o Nordeste todo chora
A triste separação
De doer no coração
Deste homem que viveu
Modesto como nasceu
No seu querido sertão
Ensinando ao nordestino
Que sofrer não é destino
Mas retrato da opressão

Filho nativo da terra
Cantou belezas da serra
De Santana, Ceará
Filho nativo de lá
Encantando o brasileiro
Como exemplo timoneiro
Como mais forte não há
Mas, com a “triste partida”
Dói bastante a despedida
Que o retirante nos dá

Da vida não teve medo
Disse sem pedir segredo
Com sua fibra mestiça
E a coragem por premissa
Caboclo cabra da peste”
Foi defensor do Nordeste
Sem vaidade ou cobiça
Buscou paz e liberdade
Para todos a igualdade
Inspirado na Justiça

Pregando a reforma agrária
Viu que a luta é necessária
Proclamava sem cessar
O desejo de mudar
Que a santa verdade encerra”
Os “camponeses sem terra”
Jamais podem prosperar
Era a ideologia
Que pregava noite e dia
E aprendeu sem estudar

A fonte patativana
Da cultura será chama
Para sempre flamejante
E de inspiração constante
Aos motes de cantorias
De cordéis e de poesias
Como faço neste instante
Com os meus versos singelos
Para quem tantos mais belos
Não mais fará doravante

Noventa e três de existência
Confirmando a resistência
Produziu a vida inteira
Com a verve costumeira
Tendo por musa o sertão
Que cantou de coração
Numa paixão verdadeira
Adeus, Patativa, adeus
Não choram somente os seus
Mas a Nação brasileira.

José Walter Pires
(05/07/2012)

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